10 dezembro, 2007


Conversa de Botequim*
Conversas de botequim rendem boas histórias, pois nem todas são verdades.

Enquanto caminho pela Rua Afonso de Freitas, bairro do Paraíso, região central de São Paulo, penso como entrevistar uma personalidade cujas últimas notícias dos bares da Rua 13 de Maio me informaram sobre seu estado semivegetativo.

A tese fora reforçada dois dias antes quando liguei para confirmar a entrevista e uma voz feminina do outro lado da linha disse: - Seja breve e paciente, ele anda esquecendo algumas coisas.

Fui esperando o pior. E o pior para um aspirante a repórter é voltar sem respostas.

Toco o botão 34 do porteiro-eletrônico e a mesma voz feminina libera minha entrada. Subo dois lances de escadas e no corredor, uma voz forte atrás da porta chama: - Pode entrar!

É Antonio Rago. Um velho alto, olhos verdes, camisa social azul clara, calça escura com vinco e sapato preto.

Rago me convida para ficar a vontade. Conversamos durante 40 minutos sem interrupções e maiores dificuldade. Procuro nele as informações dos botequins e da voz feminina. Nada. A não ser o tronco um pouco encurvado pelos 91 anos de idade.

Lúcido, Rago até me sugere como fonte de pesquisa o livro autobiográfico “A Longa Caminhada de Um Violão”, onde conta toda a história de sua carreira musical como violonista.

Aceito a sugestão e ganho um exemplar autografado por esse músico que tem no currículo a assinatura da primeira gravação de “Samba do Ernesto”, de Adoniran Barbosa.
Peço para ele tocar “Gente Humilde”. Quero testá-lo. Rago pega o violão e acerta de primeira. Uma memória impecável para música. Ao final, exclama: - Agora lembrei! E inicia novamente. Talvez tentando corrigir algumas imperfeições da primeira vez, as quais não notei.

Os dedos com unhas bem aparadas percorrem o braço do violão, um companheiro que garantiu a Rago um prêmio Roquete Pinto em 1950 e muitas parcerias com gente famosa, por exemplo, Armandinho, Carlos Galhardo, Caçulinha, Hebe Camargo e Orlando Silva.

Rago também afirma ter sido o primeiro músico a usar o violão-elétrico no Brasil: - Existiam algumas guitarras-elétricas americanas de colegas que tocavam em orquestras como guitarra-base e às vezes solando trechos de músicas, mas com a palheta entre os dedos polegar e indicador, enquanto que eu tocava o instrumento, dedilhando como um violão comum.

Pergunto-lhe sobre os problemas de saúde e o repentino afastamento dos bares do Bixiga, ambiente do qual nunca se separou desde o tempo de moço: - Tive um começo de pneumonia de tanto jogar dominó lá na 13 de Maio.

Segue uma risada do entrevistado. Não sei se acredito na história, afinal pode ser mais uma conversa de botequim.

Foto: Antônio Rago e seu violão, uma longa tragetória

* Este texto está no livro Bela Vista - Um olhar sobre o Bixiga apresentado como trabalho de conclusão de curso da minha graduação em Jornalismo. No grupo estavam também Amanda Valeri, Érika Ramos e Luciana Nemeth.